"Raios!", vociferou!
Decididamente, não estava nos seus dias. Parecia-lhe impossível como, sendo ele um perito em gravatas, o nó lhe estava a custar tanto fazer.
"Raios!", repetiu-se. De frente ao espelho, as constantes acrobacias entre mãos e seda não sortiam efeito. Pelo menos, um efeito que se queria equilibrado - um nó de gravata que se visse!
O problema não residia nos seus gestos; centrava-se, antes, na reunião de escolha de cores para a campanha publicitária mais importante de sua vida, que iria começar dali a uns minutos no escritório.
Pensara a noite toda no seu discurso e na cara do Jorge, quando lhe interceptasse a iniciativa. Sobretudo, sentia o impulso que a conclusão da reunião podia merecer à sua carreira. Não que isso lhe trouxesse grandes mudanças a nível financeiro; era tão só uma questão pessoal: ficar uns pontos à frente do Jorge, a sorrir na foto de família da empresa.
Elaborou um estudo à volta do verde, sobre o fundo do seu significado filosófico. Tinha feito um verdadeiro tratado e sentia-se bem com isso. "O verde preenche-nos!", começaria assim a palestra.
Aquilo deixou de ser mais uma simples campanha publicitária, era necessário incendiar os destinatários, surpreendê-los, esmagá-los e, sobretudo, deixar o palerma do Jorge nas covas.
"O verde preenche-nos", repetia, enquanto tentava dominar o nó. "Raios me partam, mas será que hoje não saio daqui!".
Profissionalmente, nada tinha contra o rapaz. Pessoalmente, a conversa era outra. Irritava-o, profundamente. E roubava-lhe espaço. Bem… o facto de lhe ter roubado a mulher, também não era de menosprezar.
"O verde preenche-nos", desafiava-se. Faltavam minutos. E faltava-lhe ainda apanhar o metro, descer a Rua dos Passeios, subir ao 3º piso, marcar o ponto. Imperioso, porém, era resolver o problema do nó. É que não basta um discurso efectivo, eficiente, cativante; sobretudo, é necessário um bom nó de gravata.
Por fim, lá se amanhou. Um bocado com a cara para a direita, mas conservando características que lhe permitia definir-se como nó, a gravata finalmente deu o jeito. E ele desandou em direcção ao seu momento.
Estavam lá todos, até o Jorge. De acordo com a política da casa sempre que se discutia uma campanha nova, as propostas dos colaboradores eram apresentadas por ordem sorteada. Naquela manhã, a sorte fazia-lhe finca-pé - a primeira improvisação sobre cores pertencia ao Jorge.
"Bom... aguardo e surpreendo-o magistralmente pela retaguarda", raciocinou.
Jorge levanta-se, arranja o seu impecável fato e, sejamos correctos, o seu magistral nó de gravata. E atira-se à audiência: "O verde preenche-nos!", ouve-se na sala.
De forma ordeira e sem grandes poeiras, saiu da sala, atirou a gravata para o chão e foi, calmamente, beber o café que lhe tinha escapado naquela manhã. Já nem ouviu os aplausos a que o Jorge, merecidamente, foi votado.
"Raios", pensou. Definitivamente, o problema foi o nó da gravata.