domingo, dezembro 10, 2006
Sem Sentido (I)
O dia ainda mal começou e já lhe faltam palavras.
Há vários dias que lhe escasseiam, elas, as palavras. Nem uma mera conjugação de letras, simples, que de algum modo fizessem sentido ou que se sentissem ou que fossem ouvidas. Nada.
Mesmo da noite, ainda que mal dormida, poderia ter algum proveito; é também para isso que nos servimos dela. Mas a que passou não deixou marcas, apenas lhe assentuou o vazio imposto pela ausência de palavaras.
Um café e um copo de água, balbuciou.
Essas foram fáceis, porque as repete todas as manhãs. É um homem de hábitos, essencialmente de repetição de gestos e actos. Todo ele se repete e só nessa duplicação é que se sente. Repetido, mas definido.
Em dois momentos, bebe o café, que empurra com a água. Levanta-se, paga a despesa e sai.
Pimeira parte do dia bem servida, pensa. Sem preocupações de destino, atira-se ao passeio que lhe assenta nos pés. Não está descalço, mas é como se estivesse. Sente os desenhos da calçada, como se desenhados na palma dos próprios pés. Sente o ar e as pessoas e os barulhos. Sente as curvas e os edifícios, as varandas e os estandartes.
O dia ainda mal começou. E já são dias a mais mal começados.
Faltam-lhe palavras.

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embalado por Nuno
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