sexta-feira, junho 15, 2007
Dia de mudança
Hoje é o dia.
É o dia das mudanças pelo qual tanto esperei.
Esperei na esperança sem saber quando mas sabendo que não podia ser, não podia ser a minha última morada aquela que a humidade havia invadido, o pó havia coberto, o silêncio havia conquistado, o abandono corroído.
Meu verde veludo que outrora por tantas vezes acariciado, vê-se agora nas pontas descolado , o brilho acetinado sob camadas de tempo escondido,e o exemplar equilíbrio sólido é apenas memória à conta de empeno revelado.
Deixo-te portanto velha sala, retendo como recordação apenas aqueles tempos da música de piano a esvoaçar nas cortinas das janelas abertas, dos pés e das mãos junto a mim a tocar-se, dos vários naipes voadores, da tremura em grave dos pés das crianças por todo o soalho. Desde a minha chegada, poucos dias após a minha criação, constatei estar o meu lugar nesta sala predestinado, sala de evocação de glórias passadas, de namoros e guerras, de conversas francas e dissimuladas, de fumos nocturnos e jogos de cartas.
Como marca da minha ida presença deixo quatro marcas num chão de limpeza despojado.
Flutuo em mãos agora escadas abaixo, estas que havia visto apenas uma vez, desço três pisos e conheço a porta da entrada. A entrada de serviço, ao lado das abandonadas cavalariças estava há muito bloqueada. Nos instantes em que repouso aí absorvo pela última vez os tons de cheiro que as paredes haviam retido e recordo.
Nova morada me espera no fim desta estrada. E a história de um antigo pedaço de madeira está longe de estar acabada.
 
embalado por Ricardo
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sábado, junho 09, 2007
Docemente
Sinto a noite a descer docemente nas minhas costas. Os meus olhos descem com ela, bem abertos em lágrimas num movimento espiral que a cabeça executa agora de forma lenta como se o mesmo tivesse por demais vezes sido repetido. As palmas das mãos são os extremos dos ramos mais pesados que dançam em torno do tronco acompanhando-o uma última vez. Este maciço que roda e se afunda no pó negro abre nervuras que dispersam raios laminares de luz em tons aquecidos em melancolia. Sem pausas, sem abrandamentos a dança encerra no vazio, dilui-se no nada e só as folhas secas ainda formam uma última volta de sombras e ecos do que havia sido.

Convivo agora com memórias, algumas familiares, outras não. O meu ser espalha-se em recordações mais acesas ou intermitentes. Rio mais do que havia rido e não choro, mesmo quando me vejo triste. Eu sou ainda. Na minha pobre condição de ser o que fui para os que não me querem perder apesar de já terem perdido vou perdendo côr, perdendo o som da fala, perdendo as feições. Sem abrandamentos, sem pausas e com todo o tempo do mundo à minha frente a ternura do melhores momentos é a última a desvanecer...
 
embalado por Ricardo
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