sexta-feira, fevereiro 02, 2007
A oito metros do chão
Numa rua sossegada.
Uma casa, num quintal.
Uma família.
E os seus animais de estimação.
Pai militar, mãe professora . Filho de trinta e tais fotógrafo de casamentos.
Bons vizinhos. Gente de confiança, sempre disposta a ajudar.
Vivem numa casa em que cabiam muitos mais ladeada por uma faixa de terreno que vira nas traseiras. A este “L” chamam-lhe o quintal. E onde o “L” vira está o poste. No seu topo está uma pequena casota metálica.
Os cães, três, parecem loucos com a gritaria. Avançam e recuam num pêndulo de verocidade e aflição. Muitos de todos os dias.
O tilintar da corrente é ouvido em rasgos e a força implícita no som não nos é comum.
O poste, corre-o , escorrega-o , abraça-o, aperta-o , trepa-o, abandona-o em troca do cimento para atacar pardais ou mostrar aos cães quem ainda não perdeu a centelha selvagem.
Um dia escapa. Percorre os quintais ao longo da rua assustado e assustando todos que se cruzam com quem não conta com animais selvagens nos fundos da casa. Num destes uma idosa sem medo aproxima-se devagar. O símio estranha mas acerca-se também ao longo de um muro alto. Páram frente a frente em níveis diferentes. O babuíno senta-se no muro, estende os braços e coloca os seus longos dedos nos ainda fartos cabelos da senhora. Em procura atenta separa cuidadosamente os cabelos brancos. Há como que uma ternura nos seus movimentos assim como compaixão humana na entrega a tal proximidade.
Poucas horas depois o tilintar faz-se novamente ouvir numa réstea de tempo.
No topo a oito metros do chão vive uma vida de atracção e desespera nos fins de tarde de verão, com o céu a avermelhar e a incendiar uma memória de savanas e de liberdade.
 
embalado por Ricardo
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